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Em matéria publicada no jornal "Folha de SP", caderno "Equilíbrio", Isabella Delgado, vice-diretora de Pesquisa, Ensino e Projetos Estratégicos do INCQS, fala de desenvolvimento de métodos alternativos ao uso de animais em laboratório.
O texto integral pode ser lido na continuação desta ou no site da Folha aqui.

Cobaias de cosméticos

'Necessários', 'cruéis' ou as duas coisas, os testes em animais ainda soam como um tabu na área da beleza; e o público interessado fica sem informação

Andrea Vialli

Colaboração para a Folha

A pressão de consumidores pelo fim dos testes em animais na indústria de cosméticos tem levado alguns países a reformularem a legislação do tema. Na União Europeia, a meta é acabar com esses testes até 2013. No Brasil, já se começa a estudar as alternativas às cobaias, mas discutir o tema parece tabu.

Embora muitas empresas respondam que não usam bichos em estudos de novos produtos, falta transparência. São raras as embalagens que trazem a informação.

No mundo, os testes estão na berlinda por serem considerados cruéis. Todos os anos, cerca de 100 milhões de bichos são empregados em pesquisas científicas só nos EUA, segundo estimativa da Peta, ONG de proteção animal famosa pelas suas campanhas com celebridades.

Coelhos, hamsters e camundongos são usados em laboratórios para verificar se componentes de cosméticos podem causar irritação ou alergia em humanos. Em geral, essas avaliações são feitas com novos ingredientes. Para testar se um novo xampu pode irritar os olhos, por exemplo, substâncias são pingadas diretamente, por dias, em córneas de coelhos.

Na vitrine

Para chamar a atenção sobre o tema, uma ativista britânica se submeteu a um protesto que chocou Londres, em abril. Jacqueline Traide, 24, passou dez horas exposta na vitrine de uma loja de cosméticos sendo submetida a todo tipo de "tortura": imobilizada, teve o cabelo raspado, recebeu injeções, foi forçada a engolir substâncias e produtos foram aplicados em seus olhos como se ela fosse uma cobaia.

O objetivo do ato foi simular alguns dos procedimentos mais comuns que acontecem na indústria da beleza.

Mas já há alternativas para a maior parte dos testes feitos hoje em seres vivos.

Algumas dessas tecnologias in vitro ainda precisam ser validadas (ter eficácia científica comprovada) no Brasil. Os métodos alternativos também são mais caros, o que demanda maior investimento das empresas.

Fora do Brasil, o caminho do consumidor interessado em escolher marcas de cosméticos que não usam cobaias é mais rápido. Muitos fabricantes informam sobre isso nos rótulos. Há selos de certificação, como o "Cruelty Free" (veja abaixo), concedido pela Peta após pesquisas. Além disso, a ONG também divulga listas, atualizadas semana a semana, com os nomes das empresas que testam e das que não testam em animais. A relação está disponível em www.peta.org.

Por aqui, a veterinária Gabriela Toledo criou o Pea (Projeto Esperança Animal). A ONG também apresenta uma lista em seu site (www.pea.org.br) das empresas que não realizam testes em animais no Brasil. Para constar na lista, basta o fabricante fazer uma declaração atestando que não realiza o procedimento.

"No começo, íamos atrás das empresas questionando sua política de testes. Muitas nos ignoravam ou enviavam respostas evasivas. Hoje, são elas que nos procuram", diz Toledo. A lista brasileira tem 97 empresas.

A saída é a rotulagem obrigatória, na opinião da veterinária. "Saber se determinado produto foi testado ou não em animais é direito do consumidor, mas é negligenciado."

Até marcas que afirmam ter banido esses testes, como Unilever, P&G e Natura, não colocam essa informação nas embalagens.

"Faz parte da conduta da empresa não fazer propaganda sobre esses benefícios nos rótulos", afirma Elisabete Vicentini, gerente de segurança do consumidor da Natura. A companhia aboliu os estudos em cobaias em 2006. A Abiphec, entidade que reúne fabricantes de cosméticos e produtos de uso pessoal, ressalta que "a informação não é obrigatória e vai da decisão da empresa".

Um projeto de lei sobre bem-estar animal que prevê, entre outros pontos, a obrigatoriedade de informar sobre testes em bichos nas embalagens dos cosméticos, está parado na Câmara há cinco anos. "As coisas mudaram, há mais consciência sobre essa questão. Não dá mais para ficarmos sem legislação sobre o assunto", acredita o deputado federal Ricardo Trípoli (PSDB-SP), autor da proposta.

'Uso de animais na área de cosméticos ainda é preciso'

Mas o Brasil já começa a desenvolver métodos alternativos, diz pesquisadora

Colaboração para a Folha

Mesmo com o aumento da pressão de consumidores e de entidades contra os testes de animais, é difícil mudar essa realidade na indústria da beleza. Mas é possível reduzir o uso das cobaias — e o Brasil já deu o primeiro passo nessa direção.

Um acordo entre a Anvisa e a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), firmado no ano passado, criou o primeiro centro de estudos na América do Sul destinado a desenvolver métodos alternativos para validação de pesquisas que não usam animais.

O Bracvam (Centro Brasileiro de Validação de Métodos Alternativos) foi inspirado em um órgão similar que existe na Europa. Está na fase de credenciar laboratórios no Brasil aptos a realizar esses outros métodos.

Córnea de galinha

Já existe tecnologia para substituir vários testes feitos em animais. No teste de irritação dérmica, é possível usar modelos de pele humana reconstituída, em vez de cobaia viva. No lugar dos testes de irritação ocular em coelhos e ratos vivos já estão sendo usadas córneas de galinha ou de boi, retiradas após o abate.

Ensaios in vitro também são opção para substituir testes de toxicidade feitos na pele ou nas mucosas de animais. Algumas empresas de cosméticos utilizam esses modelos em laboratórios da Europa e dos EUA.

"Há uma grande possibilidade de desenvolvermos, a médio prazo, um bom leque de métodos alternativos aos testes em animais", diz Isabella Delgado, vice-diretora de pesquisa e ensino do INCQS (Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde), da Fiocruz.

A pesquisadora ressalta, porém, que há casos em que os testes em animais não têm alternativa eficaz à altura. "O uso de animais na área de cosméticos, para se testar moléculas desconhecidas, ainda é necessário."

Ela explica as circunstâncias em que as novas metodologias não substituem o experimento em cobaias: é o caso dos testes feitos para avaliar se determinada molécula tem potencial cancerígeno ou se pode afetar a fertilidade de quem usa o cosmético.

"Nesses casos, não dá para prescindir dos testes em camundongos antes do uso em humanos. A saída é reduzir o número de cobaias utilizadas e será uma das frentes de atuação do Bracvam", conclui.

Outra pesquisa que ainda precisa de animais é a da mutagenicidade, feita para avaliar se um componente usado na fórmula do produto pode induzir mutações genéticas. "Não há alternativa validada para esse teste", diz Marcelo Sidi Garcia, gerente da divisão de cosméticos da Anvisa. "Não é possível banir totalmente os testes em animais, nem a Europa conseguiu. Mas é possível fazer os estudos de forma ética."

Como são feitos (e quais são) os testes em coelhos

Pesquisas com bichos são usadas para avaliar novos xampus e condicionadores, cremes faciais e corporais e itens de maquiagem

Comedogenicidade – objetivo: testar componentes de cosméticos que podem causar cravos (comedões) na pele.

Como é feito: efetuam-se aplicações da substância na parte interna da orelha direita dos coelhos. Os bichos são observados para verificar o surgimento de eritema (vermelhidão), edema (inchaço) e presença ou ausência de cravos. Depois, a parte afetada das orelhas é cortada com bisturi para análise dos tecidos.

Irritação dérmica primária e cumulativa – objetivo: testar se o produto causa irritação na pele.

Como é feito: é feita uma aplicação única no dorso de coelhos. É aplicado um adesivo com a substância por quatro horas. Procede-se à graduação das lesões (eritema e edema), 24 e 72 horas após a aplicação. No ensaio para irritação cumulativa, as aplicações são feitas por dez dias consecutivos.

Irritação ocular primária – 
objetivo: testar se substâncias causam irritação nos olhos.

Como é feito: aplica-se a substância diretamente nos olhos (saco conjuntival) dos animais, que têm suas cabeças imobilizadas. Depois, observa-se a evolução das lesões em 24, 48 e 72 horas após a aplicação e sete dias depois. São analisados os danos a córnea, íris e conjuntiva.

Sensibilização dérmica – objetivo: testar se a substância pode causar irritação à pele.

Como é feito: são realizadas aplicações tópicas da menor dose não irritante por três semanas (fase de indução). Após um período de repouso, procede-se à aplicação tópica de maior dose não irritante (fase de desafio). As reações são graduadas segundo escala específica.

Os testes feitos em ratos e hamsters

Produtos que usam esses métodos vão de pasta de dente a sabonete íntimo, passando por antissépticos bucais e lubrificantes.

Determinação da dose letal oral
 em ratos –
 objetivo: verificar a toxicidade de uma substância caso seja ingerida por acidente. A dose letal é a quantidade do produto que provoca a morte de 50% da população em teste.

Como é feito: a substância é administrada por meio de entubação gástrica. Os ensaios de toxicidade aguda (um dos testes mais polêmicos) estão sendo revistos nos países ricos.

Irritação da mucosa oral
 em hamsters – objetivo: determinar a toxicidade de uma substância de uso oral.

Como é feito: o produto é aplicado na boca de hamsters, com lavagem subsequente, durante um determinado período. São feitas observações macroscópicas da mucosa. Ao final do ensaio, os animais são sacrificados para exame do tecido e das alterações.

Fotoalergenicidade e fototoxicidade
 em ratos ou coelhos – objetivo: testar se a substância causa reações quando a pele é exposta ao sol.

Como é feito: no teste fotoalergênico, as cobaias são expostas por três semanas à radiação UV. Após 14 dias, são expostas novamente e as reações são avaliadas. No teste de fototoxicidade, a pele dos animais é exposta às matérias-primas e depois às radiações UVA e UVB.

Irritação da mucosa genital
 em ratos ou coelhos
 – objetivo: determinar a toxicidade de substâncias usadas em sabonetes íntimos e lubrificantes.

Como é feito: o produto é aplicado sobre a mucosa com observações macroscópicas e microscópicas das alterações teciduais. São feitas graduações para determinar o potencial de irritação.

Empresas assumem 'compromisso voluntário' com outros métodos

Colaboração para a Folha

Grandes empresas de cosméticos afirmam que baniram os testes em animais no Brasil e só os fazem quando existe uma exigência legal ou quando não há oferta de métodos alternativos.

Os testes em animais no Brasil são exigidos em casos específicos. Fraldas e absorventes, por exemplo, são avaliados em cobaias antes de chegarem ao mercado, conforme prevê uma portaria do Ministério da Saúde.

Mas, diferentemente de países europeus e dos EUA, onde existem selos de identificação de produtos não testados em animais (veja abaixo), não há certificação no mercado brasileiro garantindo que o cosmético não passou por testes em animais.

Boicote

A Unilever, multinacional dona das linhas Dove e Rexona, entre outras, foi alvo recentemente de uma campanha de internautas. Eles criaram uma página no Facebook pedindo boicote aos produtos da empresa por causa da falta de clareza em relação aos testes em animais.

Em nota à Folha, a Unilever afirma não realizar testes em animais no Brasil.

"A companhia trabalha em colaboração com outras empresas e centros de pesquisas no sentido de desenvolver métodos alternativos de testes, que forneçam uma avaliação segura do produto e do ingrediente sem o uso de animais vivos."

A P&G, outra multinacional do setor (marcas como Gillette, Pantene e Wella), também afirma, em nota, estar "comprometida em eliminar testes em animais".

"Sempre que possível, a companhia opta por utilizar métodos alternativos", afirma a empresa, que divulga um investimento de US$ 250 milhões no "desenvolvimento de mais de 50 métodos alternativos aprovados".

A Abihpec, entidade que reúne os fabricantes de produtos de higiene, perfumaria e cosméticos, afirma em nota que "a indústria brasileira demonstra um compromisso voluntário de não realizar testes em animais".

A indústria brasileira Natura relata que iniciou estudos com métodos alternativos em 2001 e que baniu definitivamente os testes em animais em 2006.

Para isso, montou um laboratório em Paris, na França, e fez parcerias com centros nos EUA que desenvolvem alternativas.

"Cada novo ingrediente passa por uma bateria de testes. Modelos de computação comparam essas moléculas com outras já conhecidas. Depois, a substância segue para testes in vitro", diz Rodolfo Guttilla, diretor de assuntos corporativos da Natura.

De olho na embalagem

Selos internacionais (o Brasil não tem nenhum)

CRUELTY FREE – 
"Livre de crueldade", em tradução literal, é um selo da Peta, ONG internacional de
proteção animal.

LEAPING BUNNY
O – selo "coelho saltitante" também atesta que produto e itens da fórmula não foram testados em animais.

CERTIFIED VEGAN – 
Selo vegano, comprova que o produto, além de não testado em bichos, não usa itens de origem animal.