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Publicado em 27/06/2022.

Por Penélope Toledo (INCQS/Fiocruz)

Imagem de Divulgação

Uma das principais medidas de prevenção do Sars-CoV-2 é o distanciamento físico, o que pode impactar nas experiências sexuais das pessoas. Entretanto, de acordo com a Unaids, programa da Organização das Nações Unidas (ONU), as populações-chave para o HIV seriam igualmente vulneráveis para a COVID-19 e a nova pandemia impactaria nas próprias estratégias globais de prevenção e atenção em HIV/Aids.

De 2010 a 2020, o Brasil registrou 783 mil casos de sífilis, que segue crescendo de forma expressiva, segundo a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD). A sífilis atinge, principalmente, a população masculina, que representa 59,8% dos casos. As mulheres, por sua vez, somam 40,2%, mas merecem uma atenção especial, já que muitas revelam sintomas durante a gestação, aumentando o risco de contaminação de recém-nascidos.

Recentemente a Organização Mundial da Saúde está analisando relatos de que o vírus da varíola dos macacos está presente no sêmen de pacientes, explorando a possibilidade de que a doença possa ser transmitida sexualmente, de acordo com uma autoridade da OMS. Isso emerge mais uma vez a importância dos preservativos masculinos.

No Brasil, os preservativos masculinos, a exemplo de outros produtos que possam causar algum tipo de impacto na saúde, na segurança do consumidor ou no meio ambiente, são certificados compulsoriamente. Contudo, o processo de certificação embora avalie com detalhes a produção e o produto ao final da fabricação, não aborda a questão da comercialização nos diversos estabelecimentos como farmácias, drogarias, supermercados, por serem consideradas questões típicas de vigilância sanitária e esta acopla a necessidade da dimensão educativa à possibilidade da ação punitiva formal.

Vista desta forma, a vigilância sanitária é um dos braços executivos que operacionalizam o Sistema Único de Saúde (SUS) na busca da concretização do direito social à saúde. Sua função principal é eliminar ou minimizar o risco sanitário envolvido na produção, circulação e consumo de certos produtos, processos e serviços tendo um papel importante na estruturação do SUS.

O Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS/Fiocruz) tem como missão contribuir para a promoção e recuperação da saúde e prevenção de doenças, atuando como referência nacional para as questões científicas e tecnológicas relativas ao controle da qualidade de produtos, ambientes e serviços vinculados à vigilância sanitária. É o único laboratório de saúde pública com capacidade analítica para análise de preservativos masculinos.

(Janete Duarte, pesquisadora do Núcleo de Ensaios Físicos do INCQS/Fiocruz)

Janete Duarte fazendo o controle da qualidade dos preservativos (Fotos: Pedro Paulo Gonçalves - INCQS/Fiocruz)

 

Veja aqui a reportagem sobre o controle da qualidade das camisinhas e DIUs de cobre feitos pelo INCQS.

 

Confira a entrevista de Janete Duarte:

1. Como é feito o controle da qualidade dos preservativos pelo INCQS/Fiocruz?

Janete Duarte: O único método prático para avaliação da qualidade de preservativos é a caracterização de uma amostra representativa de um lote ou de uma série de lotes. Isso porque os preservativos de borracha natural são artigos produzidos em lotes de produção em grande quantidade, que variam de 150.000 a 500.000 unidades. Desta forma, ocorrem, inevitavelmente, variações individuais na qualidade do produto.

O INCQS/Fiocruz monitora os preservativos no mercado e também atua caso seja acionado em denúncias, em projetos ou qualquer outra forma de acionamento.

As análises seguem as legislações. No caso dos preservativos os critérios, os métodos de análises e o plano de amostragem são estabelecidos na International Organization for Standardization (ISO) 4074 e a norma brasileira, como todas as normas existentes, segue esta ISO. A norma brasileira, a RDC 62/2008 é internalizada no Mercosul. Essa RDC foi revogada pela 554/2021.

As análises abrangem os testes físicos realizados no Departamento de Química (DQ), microbiológicos realizados no Departamento de Microbiologia (DM) e citotoxicidade, no Departamento de Farmacologia e Toxicologia (DFT) do Instituto.

“O INCQS/Fiocruz monitora os preservativos no mercado

e também atua caso seja acionado em denúncias, em projetos

ou qualquer outra forma de acionamento.”

 

2. Há muitas denúncias de desvio de qualidade dos preservativos?

Janete Duarte: Os preservativos são produtos diferenciados, pois mesmo que existam não conformidades, dificilmente o usuário as identifica no momento do uso. Assim, as demandas espontâneas (denúncias por parte da população) são difíceis de acontecer.

As situações concretas de falhas, se identificadas pelos usuários, se dissipam por diversas razões, como por exemplo, a falta de esclarecimentos da população sobre o seu direito de notificar o problema e/ou de como fazê-lo. Também há razões que caminham por méritos religiosos, de etnias, questões sociais, econômicas etc. Até mesmo falhas provocadas pelo próprio usuário podem provocar constrangimentos, porque nesses casos, na maioria das vezes acontece ou é observada na hora do uso.

O selo do Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro) nos preservativos representa que esse produto passou pelos critérios de certificação, o que é muito importante para a sua segurança, mas não é garantia de qualidade do produto.

Janete Duarte mostrando para estudantes um dos testesrealizados nos preservativos

3. Qual é a importância para a população e para a saúde pública, do controle da qualidade dos preservativos?

Janete Duarte: Do ponto de vista de risco sanitário, qualquer não conformidade existente no produto, por mais simples que seja, pode acarretar problemas na saúde individual do usuário e na saúde coletiva.

A palavra “risco” surgiu em meados do século XIV para se referir à possibilidade de ocorrência de eventos adversos futuros, mas passíveis de controle ou intervenção que minimize e repare os danos. Na epidemiologia, risco está relacionado à identificação de fatores que colocam os indivíduos ou grupos sob a provável exposição a eventos que podem comprometer sua saúde física, psíquica e/ou social. O grau de risco dos preservativos masculinos é III.

De acordo com o Código do Consumidor, cabe ao Estado proteger quem consome - que é o elo mais fraco desta cadeia - e a ação governamental deve atuar “pela garantia dos produtos e serviços com padrões adequados de qualidade, segurança, durabilidade e desempenho” (Art. 4º, item II – d).

O INCQS/Fiocruz faz parte do Sistema Nacional de Vigilância Sanitária (SNVS) e é o órgão do Ministério da Saúde que tem na missão “contribuir para a promoção e recuperação da saúde e prevenção de doenças, atuando como referência nacional para as questões científicas e tecnológicas relativas ao controle da qualidade de produtos, ambientes e serviços vinculados à vigilância sanitária”.

Vale ressaltar que o olhar da vigilância sanitária vai além dos aspectos laboratoriais, pois no que diz respeito aos preservativos, falhas ou não conformidades no produto podem ser provocadas pelos próprios usuários ou por fatores de logística, transporte, armazenamento, estocagem e exposição nas prateleiras, entre outros. É preciso cuidado na avaliação, de modo que o preservativo seja analisado como um todo, por isso as ações de monitoramento são importantes.

Trata-se de um produto de grande apelo econômico-social, mundialmente usado, com características peculiares e que tem dupla função: profilática e contraceptiva. Todos os elos desta cadeia - órgãos governamentais de regulação, vigilâncias, fabricantes, distribuidores, certificadores, vendedores e usuários, - sem exceção, sabem sua importância e intentam para que o produto tenha o melhor padrão de qualidade. Neste processo, o INCQS/Fiocruz vem cumprindo a sua missão institucional.

 

“Muitas falhas ou não conformidades no produto

podem ser provocadas pelos próprios usuários

ou por fatores de logística, transporte, armazenamento, estocagem e exposição nas prateleiras,

entre outros.”