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Publicado em 07/04/2022.

Por Penélope Toledo (INCQS/Fiocruz)

Imagem: Mariana Queiroz (INCQS/Fiocruz)

Após dois anos de pandemia da Covid-19, muitas dúvidas ainda povoam a mente dos brasileiros. Questões como a necessidade de vacinação mesmo após a contaminação pela doença, risco epidemiológico que os não vacinados podem acarretar à sociedade, novas doses de reforço da vacina, uso de máscaras em locais fechados, acesso aos medicamentos específicos, sintomas da Covid longa (quando as pessoas permanecem com sequelas decorrentes da doença mesmo depois de passado o período da infecção), impacto do apagão dos dados nas políticas públicas, possibilidade de novas pandemias e as consequências da forma com que o país lidou com a doença.

Nesta entrevista à Assessoria de Comunicação Social (ACS) do INCQS/Fiocruz, o infectologista Julio Croda, pesquisador da Fiocruz Mato Grosso do Sul e presidente da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical, esclarece estes e outros temas. Confira!

Pessoas que tenham tomado duas doses da vacina Covid-19 e contraíram a doença devem se vacinar com a dose de reforço?

Julio Croda: Sim. É necessário se vacinar com a dose de reforço, pois existe uma proteção adicional. Ainda não há estudos de vida real comparando estas duas estratégias, ou seja, duas doses e infecção, ou duas doses mais a dose de reforço. É importante seguir a recomendação do Ministério da Saúde, que não faz nenhum tipo de distinção em relação à infecção prévia, no que diz respeito à recomendação da dose de reforço. 

 

Além do risco individual de contrair a forma grave da doença, qual é o risco para a sociedade (epidemiológico) que as pessoas que não se vacinaram com o esquema completo podem gerar?

Julio Croda: O risco individual, lógico, é contrair a forma mais grave da doença, mas do ponto de vista da sociedade é principalmente o risco de colapso no sistema de saúde. Quando a gente tem uma variante mais transmissível e com muitas pessoas não vacinadas ou sem a dose de reforço, isso pode gerar uma demanda muito elevada para os serviços de saúde, serviços de emergência e internações hospitalares, principalmente leitos de terapia intensiva. A população que tem outras doenças pode não conseguir ser atendida nos serviços de saúde justamente por causa desta demanda aumentada, associada a pessoas não vacinadas que procuram os serviços de saúde nos períodos epidêmicos sazonais.

 

“Quando a gente tem uma variante mais transmissível
e com muitas pessoas não vacinadas ou sem a dose de reforço,
isso pode gerar uma demanda muito elevada para os serviços de saúde,
 serviços de emergência e internações hospitalares,
principalmente leitos de terapia intensiva.”

 

Qual é a previsão para uma quarta dose ou doses regulares para a população em geral, como acontece com a Influenza?

Julio Croda: Atualmente existe um debate importante para que seja ofertada a quarta dose, o Ministério da Saúde autorizou para idosos. Mas ainda não há dados que justifiquem uma quarta dose para a população geral. Não existem dados que relacionem a variante Ômicron a doses de reforço adicionais, como também não existem dados de acompanhamento em um prazo maior, principalmente em relação à terceira dose, para a gente entender se há queda de proteção ao longo do tempo.

Foi prematuro o fim da obrigatoriedade total de uso da máscara de proteção facial em espaços fechados?

Julio Croda: A desobrigação do uso de máscaras em espaços fechados tem que ser feita a partir de uma avaliação de risco. Acredito que locais fechados associados a aglomeração deveriam continuar a indicação de uso para evitar a transmissão. Também pessoas que são de maior risco para hospitalização e óbito como idosos, imunossuprimidos e pessoas com múltiplas comorbidades deveriam continuar utilizando máscaras, principalmente quando se expõem a locais de risco e de elevada transmissão.

 

“Pessoas que são de maior risco para hospitalização e óbito
como idosos, imunossuprimidos e pessoas com múltiplas comorbidades
deveriam continuar utilizando máscaras,
principalmente quando se expõem a locais de risco
e de elevada transmissão.”

 

Como está o acesso aos medicamentos contra a Covid-19 autorizados pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa)?

Julio Croda: A Anvisa já autorizou uma série de medicações específicas para a Covid-19, entretanto, o Ministério das Saúde ainda não incorporou. Alguns outros medicamentos ainda não foram autorizados, como o Paxlovid e alguns monoclonais específicos, mas acredito que a Anvisa esteja fazendo esta análise e deva autorizar o uso. Entretanto, para que sejam incorporados ao SUS têm que passar pela Conitec (Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias) e o Ministério da Saúde tem que fazer uma avaliação de custo-benefício. Até o momento não existe nenhuma medicação específica para a Covid-19 disponibilizada no SUS.   

 

Em relação à Covid longa, quais as principais sequelas que se observa aqui no Brasil?

Julio Croda: Os principais sintomas da Covid longa são o cansaço, falta de ar para pacientes com acometimento pulmonar, perda de memória, perda de olfato, perda de paladar e UMA astenia (do grego a-/an-, "sem" e sthénos, "vigor"). Também tem a síndrome disautonômica, que é alteração da pressão e da frequência cardíaca.

O quanto o apagão dos dados sobre a Covid afetou as políticas públicas de enfrentamento à pandemia?

Julio Croda: O apagão de dados afetou a política pública, principalmente porque foi no momento da elevação do número de casos relacionados à Ômicron e então os estados, municípios e o Governo Federal ficaram sem acesos a dados de qualidade para propor intervenções, monitorar regiões de saúde específicas e abrir serviços de saúde ofertando mais testes de diagnósticos. A gente observou durante a onda da Ômicron, principalmente no seu início, que houve muita dificuldade em relação à testagem e muitas pessoas desistiram de ser testadas justamente pelas longas filas no SUS. 

   
“O apagão de dados afetou a política pública,
principalmente porque foi no momento da elevação do número de casos
 relacionados à Ômicron
e então os estados, municípios e o Governo Federal
ficaram sem acesos a dados de qualidade
para propor intervenções, monitorar regiões de saúde específicas
e abrir serviços de saúde ofertando mais testes de diagnósticos.”

 

8. Quais medidas sanitárias são necessárias para que a grande circulação de pessoas entre estados e países, transportando vírus e bactérias em seus corpos, não provoque novas pandemias?

Julio Croda: Na verdade, a gente tem que entender que barreiras sanitárias não impedem a circulação de vírus, pois existem muitas pessoas assintomáticas e a circulação é enorme, então a melhor medida é ofertar vacina para toda a população do mundo. Essas barreiras sanitárias são pouco efetivas na redução ou no controle da introdução de novos agentes patogênicos, porque existe uma falha na identificação de pessoas sintomáticas, pessoas assintomáticas podem transmitir e existe uma falha em relação aos exames que são exigidos, então é muito difícil que no futuro, se surgirem novas variantes ou novos patógenos, essa circulação não seja global e não acometa todos os continentes. O que seria importante é que no início, no surgimento de uma nova variante ou patógeno em um local bem restrito e específico do ponto de vista geográfico, seja feita uma barreira sanitária neste local para garantir que não se espalhe pelo mundo todo. Mas é muito difícil, principalmente para vírus respiratórios.

 

9. Quais problemas no tratamento individual e coletivo, público e privado à pandemia no Brasil agravaram o seu impacto no país?

Julio Croda: A falta de comunicação, principalmente, afetou a condução da pandemia, no sentido da população entender o que deveria ser feito com relação às medidas preventivas e também em relação à vacinação. O reflexo disto é o impacto em termos de números de óbitos por milhões e o excesso de óbitos. No final da pandemia a gente vai comparar como foi a resposta de diversos países e entender em que a gente pode melhorar no cenário de futuras pandemias, principalmente na nossa resposta conjunta e na nossa resposta de comunicação.